As falácias do product-market fit

Joca Torres
7 min readJun 18, 2024

Vou fazer uma pausa nos artigos que estou publicando que são capítulos do meu último livro “Transformação digital e cultura de produto: Como colocar a tecnologia no centro da estratégia da sua empresa“ para falar de um tema que percebi que não abordei com a devida profundidade.

Aliás, pretendo esse ano me dedicar a falar mais sobre o tema discovery, como parte do trabalho de uma nova edição do meu primeiro livro, o “Guia da Startup“, cuja primeira edição é de 2011 e a 2ª edição é de 2017. Já falei por aqui sobre:

Nessa lista de artigos está faltando um tema que é um conceito muito falado no meio das startups, mas sobre o qual eu ainda não falei de forma estruturada.

O tal do product-market fit

Quem me conhece sabe que gosto de definições claras, então vamos começar com a definição de product-market fit:

Product-market fit é o grau em que um produto satisfaz uma forte demanda do mercado. (Fonte: Wikipedia)

Esse termo foi popularizado em meados dos anos 2000 por Marc Andreessen, co-founder da Netscape e da fundo de investimento Andreessen Horowitz, quando ele dizia para founders de startups que “a única coisa que importa [para uma startup] é chegar ao product-market fit.”

Sem dúvida ter product-market fit, ou PMF como é costumeiramente abreviado, é essencial para a sobrevivência de startups e de qualquer empresa. Contudo, ao dizermos frases como “chegar ao PMF”, podemos cair em duas falácias:

  1. Achar que PMF é sim ou não
  2. Achar que, uma vez aitngido PMF é só escalar

Vamos nos aprofundar nessas duas falácias.

Falácia #1: Achar que PMF é sim ou não

Muitas pessoas acreditam que ter PMF é uma questão de sim ou não, ou você tem product-market fit, ou você não tem. Só que PMF não é um conceito 0 ou 1. Na própria definição está escrito que é “o grau em que um produto satisfaz uma forte demanda do mercado”, e esse grau de satisfação significa que seu produto pode satisfazer um pouco, pode satisfazer muito, pode não satisfazer, pode satisfazer completamente.

Sean Ellis, autor do livro “Hacking Growth” e a primeira pessoa de marketing do Dropbox, criou um teste para ajudar as pessoas a saber se tem algum grau de product-market fit. É chamado de “teste Sean Ellis” ou “teste dos 40%“, onde perguntamos para as clientes e usuárias de um produto o quão desapontadas elas ficariam se ela não pudesse mais utilizar o produto:

  • Muito desapontada
  • Um pouco desapontada
  • Não ficaria desapontada
  • Não usa mais o produto

Quando se tem 40% ou mais de pessoas que se dizem “muito desapontadas” caso não possam mais utilizar o produto Sean Ellis diz que há boas chances de se ter o product-market fit de seu produto com esse grupo de pessoas. Jag Duggal, CPO do Nubank, disse em um episódio do “Lenny’s Podcast” que usam o teste dos 40% com todas as novas funcionalidades que pretendem lançar mas que, pelo fato de “os brasileiros serem culturalmente mais felizes do que a média global”, no Nubank eles decidiram subir a quantidade de “muito desapontados” para 50%.

Lenny Rachitsky compilou uma lista com várias definições sobre product-market fit, incluindo o teste dos 40% e vários outras formas de entender um produto atingiu o product-market fit. Marty Cagan disse em um artigo de 2014 sobre product-market fit que o teste dos 40% é bom para produtos B2C e que, para produtos B2B, ele recomenda ter alguns clientes referenciáveis, que são clientes dispostos a dar testemunho positivo sobre seu produto. Nesse artigo ele fala que costuma recomendar ter pelo menos 6 clientes referenciáveis.

Como podemos ver, existem várias definições de PMF e todas elas têm algum tipo de graduação, o que deixa claro que PMF não é um conceito binário, do tipo tem ou não tem.

Precisamos lembrar que PMF tem dois companentes: o produto e o mercado (market). É um conceito que nos ajuda a entender o quanto um produto resolve um problema ou atende uma necessidade de um grupo de pessoas (mercado). Esse produto pode resolver um problema muito bem para algumas pessoas e não tão bem para outras. Ao falarmos de product-market fit, precisamos entender essas nunaces para melhor direcionar nossas decisões em relação ao produto.

Exemplo: Conta Azul e os clientes de varejo de balcão

Em 2017, quando eu estava na Conta Azul, tínhamos mais de 25.000 clientes, ou seja, já tínhamos algum PMF. Lá tínhamos o hábito de constantemente visitar e conversar com clientes, para entender como eles utilizam o Conta Azul. Certa vez eu tive a oportunidade de visitar uma loja que vendia itens de presentes criativos em Joinville. Era uma cliente muito satisfeita e contente com o produto Conta Azul e com o atendimento que ela recebia sempre que entrava em contato conosco.

O produto da Conta Azul funcionava muito bem para empresas dos segmentos de serviços, de indústria e também para empresas de comércio que vendiam produtos por meio de pedidos. Contudo, não funcionava bem para empresas de comércio de balcão, ou seja, lojas que atendem e vendem produtos em um lugar físico. Isso acontecia porque não tínhamos funcionalidades de frente de caixa ou PDV (ponto de venda). Frente de caixa é a última etapa do processo de compra dentro do comércio varejista. É o momento em que o cliente finaliza o processo de aquisição e faz o pagamento do produto adquirido na “frente do caixa”.

Por esse motivo, estávamos muito curiosos para entender como aquela cliente que vendia itens de presentes criativos estava tão satisfeita com o Conta Azul sendo que não tínhamos uma funcionalidade chave para a operação diária dela. Na visita, pedimos para ela nos contar como era sua operação diária. Ela dizia que ao longo do dia fazia as vendas e anotava todos os dados das clientes em um caderno. Ao chegar no final do dia, fechava a loja e acessava o Conta Azul para passar todas as vendas feitas no dia para o sistema e assim emitir as Notas Fiscais e ter o controle completo de seu fluxo financeiro.

Essa visita deixou claro que definitivamente não tínhamos um alto grau de PMF para esse tipo de cliente e acabou nos motivando as construir a funcionalidade de Frente de Caixa Online.

Falácia #2: Achar que, uma vez atingido PMF é só escalar

Quando atingimos um determinado grau de product-market fit, podemos ter a impressão que agora devemos nos focar exclusivamente em escalar, ou seja, em aumentar a quantidade de clientes e usuários do produto. Sim, devemos nos focar em escalar, mas esse não pode ser nosso único foco. Devemos continuar desenvolvendo o produto e entendendo mais sobre o mercado, nossas clientes e usuárias. Suas necessidades podem e irão mudar e precisaremos evoluir nosso produto para atender essas novas necessidades. Caso contrário, esse “sucesso” por ter atingido algum grau de product-market fit será bastante efêmero.

A evolução do produto, para buscar manter o produto com algum grau de PMF, é uma das principais responsabilidades da gestão de produto e do time de desenvolvimento de produto.

Exemplo: Evolução do produto de Hospedagem de sites da Locaweb ao longo de 25 anos

A Locaweb começou a operar em 1998 e seu produto principal era a Hospedagem de Sites. Podemos afirmar com certeza que o produto de Hospedagem de Sites da Locaweb atingiu um bom nível de PMF, uma vez que é um produto vendido até hoje. Contudo, mesmo atingindo um bom nível de PMF, sempre houve a preocupação em entender como o mercado e, consequentemente, as necessidades das clientes estava evoluindo. Veja as diferenças entre a Hospedagem de Sites de 1998 comparado com a que é oferecida hoje:

Não é porque a Locaweb encontrou um bim nível de PMF no seu início que ela se preocupou exclusivamente em escalar. O time estava constantemente avaliando as novidades do mercado de hospedagem de sites e a evolução das necessidades das clientes para evoluir o produto e, assim, manter o bom nível de PMF. Se o produto não fosse constantemente atualizado, iria diminuir gradativamente o PMF até o produto ficar irrelevante no mercado e não ter mais venda.

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Joca Torres

Workshops, coaching, and advisory services on product management and digital transformation. Also an open water swimmer and ukulelist.