Estudo de caso: Itaú Unibanco

Joca Torres
10 min readMay 14, 2024

O próximo estudo de caso sobre entregas rápidas e frequentes vem do Itaú Unibanco, uma das maiores instituições financeiras da América Latina. O grupo, que está em operação desde 1924, tem a tecnologia presente desde o início da década de 1960. Começou usando máquinas na contabilização de contas correntes e autenticação de documentos, lançamento de cartões de crédito e débito. Nos anos 1980, começou a utilizar ATMs, sendo responsável pelo lançamento do primeiro caixa eletrônico do Brasil. Entre a década de 1990 e o início dos anos 2000, o lançamento da internet e mobile banking os posicionou como early adopters no mercado. Na mesma linha, a plataforma sistêmica começou com a IBM no mainframe e evoluiu gradualmente para plataformas distribuídas e computação em nuvem. O compromisso contínuo de evolução e consistência em P&D também são vistos recentemente com casos de aplicação em inteligência artificial, quantum computing e blockchain.

Para o Itaú, o mobile banking abriu um novo caminho para relacionamento com seus clientes, o que impulsionou os investimentos em tecnologia. Por ser o maior banco privado do Brasil, tudo no Itaú é grande: são mais de 100 mil funcionários, dos quais mais de 15 mil são desenvolvedores, que atuam em parceria com profissionais de produto e de design. A jornada de transformação digital do banco foi motivada pela estratégia de centralidade no cliente e já ocorre há alguns anos, destacando-se por iniciativas relacionadas à organização dos times em comunidades multidisciplinares, à adoção de metodologias de design de experiência e trabalho ágil, à modernização das aplicações com a utilização da cloud pública e ao uso intensivo de dados. Embora o Itaú já tenha abordado esses temas ao longo dos últimos anos, houve algumas iniciativas importantes das quais ele tirou muitos aprendizados.

Já no início da década de 2010, o banco organizou um trabalho inovador denominado “Salas”, no qual times multidisciplinares com pessoas de produtos, tecnologia, design e antropologia, dentre outros temas, trabalhavam fisicamente juntos, orientados por KPIs, resultados de negócio e com os mesmos objetivos. Já em 2015, tiveram as primeiras iniciativas em que projetos estruturantes planejados de forma tradicional e com entregas ao longo de anos foram replanejados com uma abordagem mais ágil, em que entregas de valor ocorriam ao longo de meses. Também houve aprendizados importantes com os times de canais, com cerca de 300 pessoas sendo organizadas em squads e com a adoção de método ágeis.

Em 2017, a área de tecnologia foi reorganizada em comunidades de entrega, em que cerca de 5 mil pessoas foram organizadas em 50 comunidades (que é o termo usado dentro do Itaú para o conceito de tribos), com cerca de 500 squads, mas já estavam cientes de que, embora fosse um passo importante, ainda seria necessário envolver outras áreas de negócio do banco para que se caminhasse em direção ao business agility, ou agilidade de negócios, conceito que no Itaú significa a inovação e adaptação evolutiva rápida, contínua e sistemática para obter e manter vantagem competitiva. Foi quando houve uma necessidade real, oriunda de necessidades de clientes, para que fosse experimentada a primeira comunidade integrada do banco, a de soluções de investimentos, de onde surgiram importantes aprendizados. O grande diferencial foi um buy-in dos líderes de negócio na experimentação desse modelo.

Edson Cesar Portilho, CTO de uma das comunidades, conta que os times são organizados em uma topologia composta por pessoas de perfis e especialidades diferentes, como tecnologia, produtos, operações, marketing, design, dados e riscos (entre outros). Essas equipes multidisciplinares trabalham com foco nas necessidades dos clientes e nos resultados de negócio. Atualmente, há cerca de 20 mil pessoas trabalhando nesse modelo, em mais de 2 mil squads distribuídos em aproximadamente 80 comunidades.

Existem dois tipos de comunidades:

  • Comunidades integradas: entregam soluções orientadas a uma necessidade do cliente, por exemplo, a necessidade de pagar, que comporta as comunidades de cartões (crédito e débito), Pix e boletos, ou a necessidade de financiar curto prazo que é composta por comunidades de consórcio, de seguros, de crédito e assim por diante.
  • Comunidades enablers de tecnologia: constroem ferramentas e produtos técnicos para que as comunidades integradas foquem no desenvolvimento de soluções e produtos digitais para os clientes do Itaú, em vez de precisarem se preocupar com essas fundações mais técnicas. Aqui, por exemplo, estão as comunidades que habilitam, agilizam e aceleram o uso de cloud pública, APIs, CI/CD, dados, design system, gestão ágil de produtos digitais, entre outras.

Aline Pavan, superintendente que trabalha com os canais digitais do Itaú, conta que as comunidades integradas são responsáveis pela experiência fim a fim do cliente e isso as faz atuar em diversas camadas do desenvolvimento de um software (front- end, back-end, arquitetura de dados etc.). Um exemplo do princípio de entregas rápidas e frequentes é o do aplicativo móvel. Com cerca de 20 milhões de clientes recorrentes e com NPS na zona de excelência (acima de 70), o app Itaú está consolidado entre os clientes e ganha cada vez mais relevância na aquisição de novos clientes e vendas de produtos, combinando os tradicionais produtos financeiros com experiências como Itaú Shop e iPhone pra Sempre, que compõem o chamado Beyond Banking.

Se a tecnologia é importante para a evolução constante dos produtos e serviços do Itaú, as pessoas são fundamentais para garantir o foco no cliente. Neste sentido, transformar o modelo de trabalho pressupõe não apenas reorganizar estruturas funcionais, mas principalmente prover pilares para nortear os comportamentos esperados das equipes e alinhar incentivos. Como parte deste plano de transformação, foi feito o lançamento de uma nova Cultura Itubers em 2022, com o conjunto de valores que consolida a forma de ser e atuar das pessoas nos próximos anos. A repaginação dos pilares culturais mantém valores como a ética e abre espaço para princípios ágeis e colaborativos em um mundo em constante transformação ao reconhecer, por exemplo, a necessidade da diversidade e da aprendizagem constante.

Ao criar a arquitetura necessária para que as comunidades integradas possam atuar em suas jornadas, essas comunidades podem fazer mudanças e experimentos com bastante agilidade. Atualmente, cerca de 20 comunidades diferentes fazem implantações em um mesmo aplicativo, como é o caso das comunidades de Investimentos e de Consignado, ambas com seus produtos financeiros como parte do aplicativo do Itaú. Quem é cliente do Itaú percebe esse dinamismo ao usar o aplicativo diariamente, que sempre está com novidades. O número de releases no App dobrou comparando 2020 com 2022 e, em média, os times realizam mudanças nele a cada 4,9 dias.

Modelo de comunidades que visa especializar/evoluir os produtos e serviços a partir das necessidades dos clientes.

Os mecanismos de arquitetura aplicados para garantir esta escala estão em quatro níveis:

  1. Uso de enablers na perspectiva das pessoas de engenharia: esta adoção é feita em tempo de desenvolvimento, garantindo que peças já prontas e testadas possam ser utilizadas em diferentes composições, como a análise estática de segurança do código-fonte, que é feita com um produto gerido pelos CTOs e padrão para todas as comunidades, ou ainda a biblioteca para captura dos dados de navegação dos clientes e que deixa este dado democratizado para uso de quem precisar de acesso. Neste nível, destacam-se os programas de resiliência e observabilidade, em que são capturados dados de todas as aplicações implantadas e a elas é adicionado um viés qualitativo de disponibilidade esperada, de acordo com a criticidade para o cliente e para os negócios. Esse “score” determina a infraestrutura que será utilizada para as aplicações e a necessidade de revisão conjunta com um time de especialistas em diferentes disciplinas (confiabilidade, segurança, infraestrutura etc.). Isso demonstra que nem todos os processos são automatizados e que o time utiliza esse trabalho conjunto sempre que necessário.
  2. Uso de enablers que garantem a consistência da experiência do cliente: trabalho conjunto entre produtos e engenharia para definir e reutilizar componentes necessários para aquela jornada e que garantam (a) a facilidade de parametrizações e a possibilidade de realizar testes A/B; (b) capacidade de capturar feedback do cliente durante uma transação no app com padrão visual e de regras de exibição; e © habilidade de prover experiência omnichannel para impulsionar contato com o gerente sempre que o cliente tiver necessidade. Este reúso, em particular, ajudou o Itaú a crescer 4x em eficiência na geração de leads para os gerentes das agências e gerou 30% de incremento de vendas a partir deste mecanismo.
  3. Realização de testes: todas as features são liberadas gradativamente para a base de clientes e, além dos feedbacks diretos, colhemos inputs dos times de design e acessibilidade que retroalimentam a esteira de desenvolvimento.
  4. Acompanhamento de resultados das comunidades através de OKRs: conjunto de indicadores que balanceiam a avaliação da satisfação do cliente, conversão, custos de operação (Produto e FinOps), taxa de disponibilidade e taxa de erros da jornada.

Esse estudo de caso mostra que, apesar da grande escala e da complexidade do negócio do Itaú, o time conseguiu construir e evoluir a arquitetura necessária para dar agilidade, tão essencial para que as suas comunidades de negócio possam experimentar e adaptar seus produtos para seus clientes de forma rápida e frequentemente.

Recomendação

Esta é a recomendação do capítulo 7 do livro Transformação Digital e Cultura de Produto, composto pelos artigos Entregas rápidas e frequentes, Medindo e gerenciando a produtividade, Estudo de caso: Grupo Dasa, e este estudo de caso do Itaú Unibanco.

Já encontrei várias organizações que adotaram algumas nomenclaturas das empresas de tecnologia (sprint, squad, discovery etc.) e que achavam que tinham feito a transformação digital, só que entregavam software para o cliente uma vez a cada 3 ou 6 meses.

A tecnologia está constantemente evoluindo, assim como as necessidades do seu cliente e o contexto no qual sua empresa está inserida também estão em constante mudança. Se você não criar um ambiente que permita entregas rápidas e frequentes, ao ponto de sua empresa poder testar, experimentar e entregar software múltiplas vezes por dia, sua empresa não conseguirá extrair todo o potencial da tecnologia em benefício de seus objetivos estratégicos e de seus clientes.

Resumindo

Esta seção “Resumindo” é de todo o capítulo 7 do livro Transformação Digital e Cultura de Produto, composto pelos artigos Entregas rápidas e frequentes, Medindo e gerenciando a produtividade, Estudo de caso: Grupo Dasa, e este estudo de caso do Itaú Unibanco.

  • Entregas rápidas e frequentes é o primeiro princípio pois, sem ele, todos os outros são muito menos efetivos. De que adianta você estar focado em problemas e na entrega de resultados, com mentalidade de ecossistema, se você só coloca software em produção a cada 3 ou 6 meses?
  • São quatro as razões para fazermos entregas rápidas e frequentes: 1) produto na mão do usuário = momento da verdade; 2) evita o excesso de funcionalidades; 3) acelera o retorno do investimento; e 4) diminui a incerteza.
  • Não existe bala de prata para aumentar a produtividade de um time de desenvolvimento de produto. Contudo, existem sim duas ações essenciais para ajudar nesse objetivo. A primeira ação é medição. Não há como melhorar algo que não se mede. A segunda ação é trazer o tema produtividade para o centro da discussão.
  • De nada adianta aumentar a produtividade e a qualidade cair. Uma boa métrica proxy de qualidade são os bugs: inventário de bugs, novos bugs por semana e SLA de resolução de bugs. Além da gestão de bugs, é preciso acompanhar outros requisitos não funcionais ligados à qualidade, tais como desempenho, escalabilidade, operabilidade e monitorabilidade.
  • A qualidade está em primeiro plano para fornecer uma boa experiência do usuário. Além disso, é fundamental para aumentar a velocidade de sua equipe de desenvolvimento de produto. Quanto menos bugs uma equipe tiver para corrigir, mais tempo ela terá para se concentrar em coisas novas.
  • Organizações de alta velocidade são capazes de aprender muito rápido — especialmente com suas falhas — e de absorver esse aprendizado como parte integrante do conhecimento da organização.

Transformação digital e cultura de produto

Esse artigo é mais um trecho do meu mais novo livro “Transformação digital e cultura de produto: Como colocar a tecnologia no centro da estratégia da sua empresa“, que vou também disponibilizar aqui no blog. Até o momento, já publiquei aqui:

Treinamento e consultoria em gestão de produtos e transformação digital

Ajudo líderes de produto (CPOs, heads de produtos, CTOs, CEOs, tech founders, heads de transformação digital) a enfrentarem seus desafios e oportunidades de produtos digitais por meio de treinamentos e consultoria em gestão de produtos e transformação digital.

Gestão de produtos digitais

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Joca Torres

Workshops, coaching, and advisory services on product management and digital transformation. Also an open water swimmer and ukulelist.