Gestora de produtos ou product owner?

Joca Torres
8 min readSep 21, 2021

Gestora de produtos ou Product Owner? Que termo usar? São papéis diferentes? São complementares? Há sobreposição? É melhor ter duas pessoas distintas, uma para cada papel? Ou é melhor combinar os dois papéis em uma única pessoa?

DEFINIÇÕES

Antes de mais nada, vamos ver mais um pouco de definições.

“O Product Owner é a pessoa responsável por maximizar o valor do produto, o trabalho do time de desenvolvimento, e a gestão do backlog do produto.”, segundo o Guia do Scrum, e então continua: “O Product Owner é uma pessoa e não um comitê. O Product Owner pode representar o desejo de um comitê no backlog do produto. Entretanto, aqueles que quiserem uma alteração nas prioridades dos itens de backlog devem encaminhar ao Product Owner.

“O Product Owner representa os stakeholders e é a voz do cliente”, de acordo com a Wikipedia. “Ele é responsável por garantir que o time entregue valor para o negócio. O Product Owner escreve (ou faz o time escrever) itens centrados no cliente (em geral histórias de usuário), e classifica e prioriza esses itens, adicionando-os ao backlog do produto”.

Pelas definições, fica claro o foco do Product Owner em:

  • Gerenciar as prioridades do backlog, com base em inputs dos stakeholders e clientes; e
  • Maximizar as entregas do time de desenvolvimento.

Por outro lado, no capítulo anterior, definimos gestão de produtos como sendo:

GESTÃO DE PRODUTOS DE SOFTWARE

Gestão de produtos de software é a função responsável por todos os aspectos de um produto de software, durante todo o ciclo de vida desse produto, desde a sua concepção até o fim de sua vida.

É a função responsável por fazer a conexão entre a estratégia da empresa e os problemas e necessidades dos clientes por meio do produto de software. Este deve, ao mesmo tempo, (1) ajudar a empresa a atingir seus objetivos estratégicos, e (2) solucionar os problemas e as necessidades dos clientes.

Em outras palavras, o gestor de produtos precisa conhecer bem tanto quem é o dono do software e quais os objetivos que este deseja alcançar com ele, como quem vai usar esse software e quais os objetivos que esse usuário pretende alcançar ao fazer isso. Somente conhecendo tais objetivos é que o gestor de produtos poderá definir como será esse software.

Dá para perceber que, por um lado, as definições de Product Owner se focam bastante no processo, em priorização de backlog e em maximização da produção do time de desenvolvimento. Já a definição de gestão de produtos é totalmente focada no resultado, no software que está sendo feito e nos seus objetivos, tanto para seu dono quanto para seu usuário.

As definições de Product Owner focam no processo, pois todas as metodologias ágeis têm foco no processo de desenvolvimento de software. O próprio Manifesto Ágil (http://agilemanifesto.org/) diz que “Estamos descobrindo maneiras melhores de desenvolver software”. Note que a preocupação é em descobrir maneiras melhores de desenvolvê-lo, e não em descobrir maneiras de desenvolver softwares melhores. É uma diferença sutil do ponto de vista gramatical, mas enorme no significado. Enquanto “descobrir maneiras melhores de desenvolver software” se foca no processo de desenvolver software, quando falamos em “descobrir maneiras de desenvolver softwares melhores”, passamos imediatamente a nos focar no resultado do desenvolvimento de software: o software! Por isso, minha definição de gestão de produtos tem foco no software e nos objetivos de seu dono e de seus usuários, enquanto que as definições de Product Owner focam em como melhorar o processo de desenvolvimento de software.

ENTÃO SÃO PAPÉIS DIFERENTES?

Resposta curta: NÃO. Apesar de terem focos distintos, pode-se dizer que são dois lados da mesma moeda. Não dá para ter um sem o outro. Não dá para focarmos em melhorar o processo de desenvolvimento de software sem pensarmos em melhorar o software que está sendo produzido; da mesma forma que não é possível pensar em melhorá-lo sem investir no melhoramento do processo de desenvolvimento de software.

Entrevistei dezenas de diretores de TI e perguntei como eles projetam sua organização de desenvolvimento de software. Os resultados: existem Product Owners que são parte do time de desenvolvimento de software, e são responsáveis por gerenciar o backlog e detalhar seus itens; e existem os gestores de produtos, que não fazem parte do time de desenvolvimento, são responsáveis pela visão de negócio do software e passam para o time grandes épicos que deverão ser detalhados por um Product Owner.

Fundada em 1998, a Locaweb (http://www.locaweb.com.br) é pioneira e líder em serviços de hospedagem de TI no Brasil. Trabalhei lá de 2006 a 2016 e usarei alguns exemplos do meu tempo lá. Atualmente, a empresa possui mais de 250.000 clientes e parceiros com mais de 14.000 desenvolvedores. Os produtos Locaweb são projetados para todos, desde usuários comuns até grandes corporações. Alguns dos produtos da Locaweb são: hospedagem de sites, registro de domínio, revenda de hospedagem, serviços de e-mail e marketing por e-mail, comércio eletrônico e infraestrutura para streaming de áudio e vídeo, computação em nuvem, servidores dedicados e serviços especializados de terceirização de TI.

Na Locaweb, optamos por usar os termos gestor de produtos e Product Owner como sinônimos, pois, como dito anteriormente, eu os enxergo como dois lados da mesma moeda. Não dá para priorizar o backlog e maximizar as entregas do time de desenvolvimento se você não tiver um profundo conhecimento dos objetivos do dono e dos usuários desse software. Assim como não dá para produzir o melhor software que atenda aos objetivos tanto do dono como de seus usuários se você não priorizar corretamente o backlog e não maximizar as entregas do time de desenvolvimento.

Um é o “o quê”, e o outro é o “como” do desenvolvimento de software. Não existe um sem o outro. Caso você esteja em uma empresa onde esses papéis estão divididos em duas pessoas distintas, continue lendo. A próxima seção explora esta situação.

O QUE FAZER SE NA SUA EMPRESA TIVER GESTORES DE PRODUTOS E PRODUCT OWNERS?

Conheço algumas empresas que têm essa separação de papéis em pessoas distintas e que, ao lerem que esses papéis devem ser executados pela mesma pessoa, podem pensar que estão com sobra de gente. :-O

Não estão! Muito provavelmente algum outro papel está faltando no seu time de desenvolvimento de produtos de software. Minha recomendação para esses casos:

  • Não seja radical: não saia demitindo pessoas achando que há sobreposição de papéis. É preciso um olhar mais cauteloso, pois outras funções podem estar faltando na sua organização.
  • Marketing de produtos: provavelmente está faltando uma pessoa cuidando do marketing de produto, que tem objetivos complementares, mas bem diferentes do gestor de produtos. No capítulo Qual a diferença entre gestão de marketing de produtos e gestão de produtos?, escreverei sobre a diferença entre gestor de produtos e gestor de marketing de produtos.
  • Analise o que está sendo feito hoje: é provável que o seu gestor de produtos, às vezes chamado de gestor de negócios, esteja fazendo mais coisas de um gestor de marketing de produtos. Nesse caso, é interessante que essa pessoa comece a trabalhar como profissional de marketing de produtos e, eventualmente, deixe as atividades de gestor de produtos para o product owner. Este poderá, assim, cuidar da gestão de produtos.
  • Use um próximo produto para experimentar com a nova divisão de papéis: outra forma de experimentar com essa nova divisão de papéis e responsabilidades é usá-la somente em um novo produto. Quando você estiver pensando em fazer um novo produto, experimente essa nova divisão de papéis e veja como esse produto evolui. Se der certo, você pode estender para os produtos existentes.

Agora que entendemos um pouco mais sobre o que é um gestor de produtos de software, vamos ver quais são as principais características dessa função.

BA, PO OU PM

Em agosto de 2016, assumi a gestão da gestão de produtos na Conta Azul e, quando aqui cheguei, me deparei com Business Analysts (BAs) e Product Managers (PMs), um cenário novo para mim. Passei algum tempo conversando com as pessoas para entender papéis e responsabilidades de cada função e as motivações para essa estrutura ter sido criada. Após essas conversas, ficou mais claro a diferença de papéis e responsabilidades de cada uma das funções, diferença essa que tento traduzir na figura a seguir.

Essa imagem mostra alguns pontos importantes:

  • POs fazem o que BAs fazem (especificação) mais a priorização do que precisa ser feito. E os PMs, além de priorização e especificação, são responsáveis pelo desenvolvimento, comunicação e execução da visão e estratégia do produto. Existe um aumento de escopo e responsabilidade à medida que se move na carreira de BA para PO, e depois para PM.
  • Apesar de o PM ter por sua responsabilidade o desenvolvimento, comunicação e execução da visão e estratégia do produto, ele também é responsável pela priorização e pela especificação. Pode fazer sentido em algumas empresas ter BAs e PMs, ou POs e PMs, ou mesmo BAs, POs e PMs. Contudo, não pode haver empresas sem alguém fazendo o papel de PM, ou seja, desenvolvendo, comunicando e executando a visão e estratégia do produto.
  • Caso haja em uma empresa, além dos PMs, pessoas exercendo função de BA e/ou PO, é possível colocar os PMs como gestores dos BAs e/ou POs. Contudo, isso cria uma carga extra para o PM que, além de gerir o produto, terá de se preocupar com gestão de pessoas.
  • Minha preferência é por não ter essa separação de papéis e ter apenas PMs. Se houver BAs e ou POs em uma determinada organização, minha recomendação é por tratar esses papéis como passos intermediários de carreira que vão evoluir para atingir o nível de PM, com aumento de escopo e de responsabilidade. A justificativa para essa minha preferência é que, ao deixar os papéis separados, pode acontecer de o PM fazer pouca ou nenhuma especificação e/ou priorização, delegando essas responsabilidades para BAs e/ou POs. Ao fazer isso, o PM perderá insumo importante para o desenvolvimento da visão e estratégia do seu produto.

Acredito que, com essa imagem, consegui deixar mais esclarecidas as diferenças e similaridades das funções de BAs, POs e PMs.

GESTOR OU GERENTE DE PRODUTOS?

Em inglês, a função é conhecida como Product Manager e, olhando no Wikipédia, vemos a seguinte definição para a palavra manager:

MANAGER

Inglês para “gerente” ou “gestor”, em assuntos relacionados à economia e à administração de empresas, e “treinador”, para esportivos.

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Manager

Então, usar gestor de produtos ou gerente de produtos é indiferente, pois ambas as palavras servem de tradução para manager. Aqui no livro, usarei sempre gestor por uma razão simples. Na cultura corporativa brasileira, a palavra gerente costuma denotar alguém que “chefia” pessoas, só que o gerente de produtos não é chefe de ninguém.

Essa função não deve gerenciar pessoas, mas gerenciar coisas. Da mesma forma que um gerente de contas e um gerente de projetos não deve gerenciar pessoas, mas sim contas e projetos, respectivamente. Por esse motivo, prefiro usar a palavra gestor, para tirar qualquer conotação de que essa função deva gerenciar pessoas.

Agora que já entendemos um pouco mais o que é um gestor de produtos de software, vamos conhecer quais são as principais características dessa função.

Gestão de produtos digitais

Este artigo faz parte do meu livro “Gestão de produtos: Como aumentar as chances de sucesso do seu software”, onde falo sobre o que é gestão de produtos digitais, seu ciclo de vida, que ferramentas utilizar para aumentar suas chances de sucesso. Você também pode se interessar pelos meus outros dois livros:

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Joca Torres

Workshops, coaching, and advisory services on product management and digital transformation. Also an open water swimmer and ukulelist.