Incerteza e transformação digital
Um aspecto das transformações digitais que parece ser senso comum entre as pessoas que estão ou que ajudam as empresas a passar por esse processo é que o mais difícil não são as mudanças digitais e tecnológicas, mas as mudanças culturais e de mentalidade necessárias para transformação bem sucedida. Neste artigo, vou me aprofundar um pouco mais nessas mudanças culturais e de mentalidade necessárias na esperança de que possamos entender melhor e enfrentar os obstáculos que dificultam a jornada por transformações digitais bem-sucedidas.
Trabalhei quase toda a minha carreira em empresas de tecnologia, ou seja, empresas onde a tecnologia era o produto. Minha própria empresa, no início dos anos 1990, era um provedor de serviços de internet. Depois trabalhei em um data center chamado .comDominio que acabou sendo adquirido pela Equinix. Depois disso, trabalhei na Locaweb, maior provedora de serviços de internet do Brasil, e na Conta Azul, plataforma de ERP que conecta pequenos empresários a seus contadores e tudo o que eles precisam para administrar seus negócios. Ingressei no Gympass em 2018. O Gympass vende um benefício corporativo para empresas, para que possam oferecer aos seus funcionários acesso a uma rede de academias e estúdios e, mais recentemente, outros serviços de bem-estar como meditação, nutrição e apoio à saúde mental. Para o Gympass, a tecnologia não é o produto, é um ferramenta para potencializar seu produto principal. Isso me fez pensar no poder do digital para potencializar substancialmente os negócios não digitais. E essa foi minha principal motivação para ingressar na Lopes, a maior imobiliária do Brasil, empresa fundada em 1935 que fez uma oferta de follow-on na bolsa de valores no final de 2019 para arrecadar fundos para investir em sua transformação digital. Trabalho na Lopes desde meados de 2020 e tenho aprendido muito nessa jornada de transformação digital.
O impacto da incerteza em diferentes indústrias
Um artigo interessante na HBR sobre As indústrias atormentadas pela maior incerteza apresenta um gráfico em que muitas indústrias são mostradas de acordo com sua incerteza tecnológica, medida pela pesquisa e desenvolvimento da indústria (P&D) gastos como porcentagem da receita e sua incerteza de demanda , medido como uma ponderação igual da volatilidade ou mudança da receita do setor nos últimos 10 anos e a porcentagem de empresas do setor que entraram ou saíram durante o mesmo período.
Como podemos ver, na região superior direita do gráfico podemos encontrar as indústrias de Informática e Software, ao lado das indústrias Farmacêutica, de Equipamentos Médicos e de Transporte. Essas são as indústrias onde temos que investir mais em P&D e a demanda é a mais incerta. Computadores e Software são os mais novos. Farmacêutica, Equipamentos Médicos e Transportes são mais tradicionais, com incertezas de Tecnologia e Demanda semelhantes às indústrias de computadores e software.
Quando analisamos outros setores mais tradicionais, como bancos, seguros, varejo, entretenimento, imobiliário e construção, para citar alguns exemplos, eles apresentam menor tecnologia e incertezas de demanda.
A transformação digital é mais sobre transformação do que sobre digital
Quando uma empresa tradicional decide entrar na rota da transformação digital, uma coisa que precisa ficar clara é que essa rota tem mais a ver com transformação do que digital. O aspecto digital é muito importante, pois a tecnologia é central em qualquer transformação digital. No entanto, é relativamente fácil encontrar conhecimento e especialistas que possam ajudar a entender e abordar os aspectos técnicos de uma transformação digital. Por outro lado, o aspecto de transformação de qualquer transformação digital exige mudanças de negócios e culturais que são consideravelmente mais difíceis de implementar. E para dificultar ainda mais, não há muito conhecimento disponível sobre esse assunto, então tendemos a creditar sua dificuldade a uma causa cultural e de mentalidade um tanto genérica, o que é correto, mas insuficiente para nos ajudar a lidar com o assunto.
O gráfico de incerteza de demanda e tecnologia pode nos ajudar a entender por que as mudanças de negócios e culturais em uma transformação digital podem ser tão difíceis. A empresa tradicional normalmente está acostumada a um certo nível de tecnologia e demanda incertezas. No entanto, ao entrar no mundo digital, o nível de demanda e as incertezas tecnológicas aumentam consideravelmente:
- Indústrias de Computadores e Software a incerteza da demanda é muito alta, uma das mais altas de todas as indústrias, o que significa que o software produzido nem sempre atinge seus objetivos. Esta taxa de sucesso tem vindo a melhorar nos últimos anos com a evolução das técnicas e mentalidade de desenvolvimento e gestão de produtos digitais, mas ainda existem muitos produtos digitais que falham total ou parcialmente na obtenção dos resultados esperados e objetivos estratégicos. Isso pode ser muito frustrante para uma empresa em um setor com menos incerteza de demanda. Para minimizar a incerteza da demanda, estamos usando o liberar cedo e frequentemente mentalidade, que as pessoas de indústrias mais tradicionais precisam entender e adotar para lidar com a incerteza da demanda das indústrias de computadores e software.
- A incerteza tecnológica exigirá da empresa tradicional o entendimento de que (1) ela terá que investir e (2) o investimento em produtos digitais é um investimento plurianual. Para ilustrar essa necessidade de investimento e seu aspecto plurianual, usarei 2 exemplos. A primeira é a Amazon. Foi fundada em junho de 1994 e começou a operar em julho de 1995. Teve uma rodada de investimento de US$ 8 milhões da Série A em junho de 1996. O IPO foi em maio de 1997 e, em seguida, a Amazon recebeu US$ 100 milhões em um investimento de capital pós-IPO em julho /2001 e só apresentou lucro no relatório de resultados do 4T2001. Então, da fundação ao lucro, foram necessários 7,5 anos e um investimento de US$ 108 milhões, mais dinheiro arrecadado de investidores anjos e no IPO. O segundo exemplo é o Nubanlk, um banco digital brasileiro fundado em maio de 2013 que começou a operar em 2014. Arrecadou US$ 1,87 bilhão da Série A até a Série G. O IPO foi em dezembro de 2021 e o Nubank recebeu US$ 1 bilhão em um pós-IPO Investimento em ações em fevereiro de 2022. Seu 1º relatório pós-IPO apresentou uma perda de US$ 66,2 milhões no 4T2021. Assim, da fundação ao IPO, foram necessários quase 8 anos e US$ 2,87 bilhões, mais dinheiro arrecadado de investidores-anjo e em seu IPO. Mesmo depois de tanto tempo e dinheiro investidos, o Nubank ainda não apresenta resultados positivos. Observe que ambas as empresas são o que costumo chamar de empresas “tradicionais nascidas digitais”, ou seja, empresas cuja indústria principal não é computador ou software, mas que foram fundadas já com o digital como parte de sua estratégia para potencializar resultados. A Amazon está no setor de varejo com baixa incerteza tecnológica e incerteza de demanda média e o Nubank está no setor bancário com incerteza de baixa tecnologia e demanda, com base no gráfico de demanda e tecnologia por setor apresentado acima.
Quanto mais distante uma indústria estiver da Indústria de Software no gráfico, maior será a mudança de transformação necessária, ou seja, a empresa precisa (1) entender que o desenvolvimento de produtos digitais pode não trazer os resultados desejados e (2) produtos digitais reserve um tempo para fornecer um retorno sobre o investimento.
As pessoas também enfrentam a transformação digital
Estou falando aqui das empresas que passam pela transformação digital e dos desafios que essas empresas enfrentam durante essa transformação, mas as empresas são feitas de pessoas, então a transformação digital realmente acontece com pessoas que precisam entender a demanda e as incertezas tecnológicas que caracterizam um transformação digital.
Esse fato de as pessoas passarem pela transformação digital parece óbvio quando falamos de empresas tradicionais, principalmente aquelas com décadas de existência como banco, varejo, drogaria, livraria, imobiliária, seguradora, restaurante e assim por diante.
No entanto, além das empresas tradicionais, existem também dois outros tipos de empresas:
- empresas de tecnologia que vendem tecnologia, ou seja, a tecnologia é seu núcleo. Alguns exemplos são o Google com seu principal produto, Google Search e GMail. Amazon Web Services. Facebook. Instagram. WhatsApp. SAP. Salesforce. Zendesk. As empresas em que trabalhei (Locaweb e Conta Azul).
- empresas tradicionais nascidas no digital que possuem produtos ou serviços tradicionais que podem existir sem tecnologia. No entanto, por terem incluído a tecnologia desde o início como uma capacidade estratégica, parecem empresas digitais. Exemplos são Amazon e Nubank que citei acima. Exemplos adicionais estão listados na imagem abaixo:
Quando consideramos que a transformação digital acontece com as pessoas que fazem parte de uma empresa, fica claro que as empresas tradicionais nascidas digitais e até as empresas de tecnologia também enfrentam a transformação digital. Muitas pessoas que trabalham nessas empresas provavelmente vieram de indústrias mais tradicionais, com menos demanda e incertezas tecnológicas e terão que se adaptar a um contexto mais incerto. Por exemplo, para construir o Nubank, muitos de seus funcionários, incluindo C-level e fundadores, vieram do setor bancário, como Cristina Junqueira, que trabalhou para o Itaú antes de fundar o Nubank. Outro exemplo interessante é a CFO do Google, Ruth Porat, que trabalhou no Morgan Stanley antes de ingressar no Google.
Ser capaz de entender o contexto anterior das pessoas que estão trabalhando em uma transformação digital pode ajudar a lidar com as lutas e problemas que podemos enfrentar em uma transformação digital, especialmente com seu aspecto de transformação.
Resumindo
- O aspecto digital da transformação digital é relativamente fácil, pois há muito conhecimento e muitos especialistas para ajudar a projetar, desenvolver e implementar produtos digitais. As técnicas de gerenciamento e desenvolvimento de produtos têm evoluído em ritmo acelerado.
- O aspecto de transformação de uma transformação digital é mais difícil, pois não há muito conhecimento sobre isso e tendemos a creditar sua dificuldade a uma cultura e mentalidade um tanto genéricas causa.
- As incertezas de demanda e tecnologia da indústria de software é o que dificulta a transformação digital. As empresas tradicionais que estão em contextos mais determinados lutam para entender e, consequentemente, lidar com essas incertezas.
- As empresas tradicionais nascidas digitais e até as empresas digitais também enfrentam problemas de transformação digital, pois as pessoas que trabalham nessas empresas, incluindo C-level e fundadores, podem vir de empresas em contextos onde a demanda e a tecnologia são menos incertas.
- Ser capaz de entender o contexto anterior das pessoas que estão trabalhando em uma transformação digital pode ajudar a lidar com o lutas e problemas que podemos enfrentar em uma tiranização digital, especialmente com seu aspecto de transformação
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