Tipo de empresa x maturidade digital
Quando descrevi o que é um produto, descrevi também os 3 tipos de empresas que podem possuir produtos digitais e o impacto do tipo de empresa no papel da gestora de produto na organização que possui o produto:
- Empresas digitais: o produto vendido pela empresa é o software ou tecnologia desenvolvida pela equipe de desenvolvimento do produto. A Gestão de Produtos é o core da empresa, responsável pela visão de futuro e pela estratégia da empresa. A gestão de produtos terá um papel central na definição e execução da estratégia da empresa. Exemplos: Google Search, AWS, Facebook, Locaweb, Conta Azul.
- Empresas tradicionais: o produto ou serviço vendido pela empresa provavelmente já existe há muitos anos sem a tecnologia, mas a empresa está começando a entender como a tecnologia pode potencializar o produto. O Gerenciamento de Produto é um facilitador, mas não é o core. É vista como a “área digital”. A gestão de produtos terá que ganhar seu espaço, mostrando o que a tecnologia pode trazer para o negócio. Exemplos são quaisquer empresas tradicionais que conhecemos tais como supermercados, bancos, lojas, indústrias, companhias aéreas, etc.
- Tradicional nascido-digital: o produto vendido pela empresa poderia existir sem a tecnologia, mas a tecnologia aprimora muito o produto. O negócio foi pensado considerando todos os benefícios que a tecnologia pode trazer. Por exemplo, um banco digital pode decidir realizar todas as suas relações com os clientes online, sem a necessidade de abrir agências para atender seus clientes. A gestão de produto é um facilitador, mas não também é o core. A gestão de produtos terá um papel muito importante na definição e execução da estratégia da empresa, mas não será central. As áreas de negócios provavelmente desempenharão um papel mais importante ou, idealmente, ambas as áreas terão importância semelhante. Exemplos: Amazon, que é uma loja nascida digital. Netflix, que é um serviço de visualização de vídeo nascido digital, qualquer banco nascido digital, etc.
Maturidade digital
Ao apresentar essa classificação para um cliente de coaching de liderança de produto durante um treinamento in company, eles apontaram que estavam investindo muito em sua transformação digital para se tornar uma empresa digital, mas, de acordo com essa classificação, nunca serão digitais, pois esta classificação não permite qualquer movimento entre categorias.
Isso é verdade, essa classificação fala sobre o tipo de empresa em termos de sua natureza, ou seja, como ela foi concebida e qual é o seu produto ou serviço primário. A única maneira de uma empresa ser mais digital nessa classificação é criando novos negócios. Por exemplo, a Amazon, uma loja nascida digital, criou a AWS (Amazon Web Services), um novo negócio para oferecer infraestrutura de tecnologia como produto, o que torna a AWS uma empresa digital. Por outro lado, a Amazon também constrói lojas físicas e isso não a tornou mais tradicional. A Amazon continua sendo uma loja digital. Outro exemplo interessante é o Itaú, que está investindo muito em sua transformação digital e lançou recentemente o iti by Itaú, seu banco digital e o íon by Itaú, sua plataforma digital de investimentos. São negócios recém-nascidos digitais, mas o Itaú ainda é o Itaú, um banco tradicional.
Então, além do tipo de empresa, também precisamos entender sua maturidade digital, o que significa o quanto a empresa vem investindo em produtos digitais para potencializar seus resultados e o quanto os resultados foram de fato potencializados por esses esforços digitais.
Por exemplo, o Itaú amadureceu muito no uso do digital para potencializar seus resultados. A criação do iti e do íon são bons exemplos, mas, além disso, sou cliente do Itaú desde que eles adquiriram as operações do BankBoston no Brasil em 2006 e faço tudo o que preciso de um banco usando seus canais digitais. Outro bom exemplo é a Lopes consultoria de Imóveis. A Lopes é a maior imobiliária do Brasil, empresa fundada em 1935 que fez uma oferta de follow-on na bolsa de valores no final de 2019 para arrecadar fundos para investir em sua transformação digital. Trabalhei na Lopes entre 2020 e 2022 liderando essa transformação digital e aprendendo muito nessa jornada. Nesse período conseguimos passar de 40% das vendas vindas do digital para mais de 55% das vendas totais. Conseguimos construir produtos digitais para resolver os problemas não só das pessoas que queriam comprar uma casa, mas também das pessoas que queriam vender uma casa como avaliação de imóveis baseada em data science e dos corretores, que receberam leads melhores, mais alinhados com sua experiência e conhecimento, aumentando sua taxa de conversão. Então podemos dizer que tanto o Itaú quanto a Lopes são empresas digitalmente maduras.
Maturidade digital é um conceito que se aplica apenas a empresas tradicionais?
Podemos pensar que discutir a maturidade digital da empresa só faz sentido quando estamos falando de empresas tradicionais. Afinal, empresas tradicionais nascidas digitais, bem como empresas puramente digitais, são digitais, certo?
Errado! Vou dar 3 exemplos que mostram que empresas tradicionais nascidas digitais e empresas digitais podem sim ter baixa maturidade digital:
- Gympass: quando entrei no Gympass, em meados de 2018, a empresa já contava com 800 funcionários, e atuação em 14 países. No entanto, toda a sua equipe de desenvolvimento de produto, incluindo engenheiros, designers de produto e gestoras de produto, tinha apenas 30 pessoas, ou seja, menos de 4% da empresa estava focada desenvolvimento de produto. O impacto dessa equipe muito pequena em relação ao tamanho da empresa era que, naquela época, muitas das tarefas do dia a dia com clientes e parceiros tinham que ser realizadas manualmente. Por esse motivo o Gympass tinha uma equipe de operações enorme para dar conta de todas essas tarefas manuais. Quanto mais vendia, mais pessoas eram necessárias no time de operações. E o aplicativo ainda era uma versão webview. O C-level e o conselho reconheceram a necessidade de investir no digital para escalar a empresa, e essa equipe cresceu consideravelmente para cerca de 250 pessoas, que automatizaram muitas das tarefas de operações manuais e entregaram e evoluíram um aplicativo totalmente nativo. Este é um exemplo interessante de empresa tradicional nascida digital, que vende um benefício corporativo aos seus clientes para que eles possam oferecer aos seus funcionários acesso a uma rede de dezenas de milhares de academias e estúdios, e que possuíam uma maturidade digital baixa. Isso normalmente acontece quando os fundadores de uma empresa nascida digital que está usando o digital para melhorar um negócio tradicional têm pouca ou nenhuma experiência anterior com produtos digitais. Se não trouxerem algumas pessoas com essa experiência para a equipe de founders, há boas chances de que a maturidade digital dessa empresa seja baixa.
- Locaweb: quando entrei na Locaweb em 2005, a empresa tinha cerca de 100 pessoas e a equipe de desenvolvimento de produto tinha cerca de 30 pessoas, o que é um bom tamanho. No entanto, o desenvolvimento de produto era feito de uma forma muito antiga, em cascata, com base em ideias de C-levels e de pedidos de vendas, sem conversa com o cliente. Lembro-me de preencher um PRD — Product Requirement Document — com todos os requisitos para um novo produto que planejamos lançar com base nas ideias dos C-levels. Após preencher todos os detalhes, o que demorei 2 meses para fazer, entreguei para a engenharia que em 5 meses entregou o produto pronto. Fui testar o produto e descobri que uma funcionalidade esperada não estava lá. Verifiquei o PRD para ver se eu havia esquecido de incluir essa funcionalidade específica, mas não, não esqueci, estava lá. Então, conversando com os engenheiros, eles viram a documentação, não entenderam todos os detalhes da funcionalidade e, pela pressa de entregar, decidiram não incluir a funcionalidade. Então fica bem claro que nossa maturidade digital naquela época era bem baixa. Conseguimos evoluir e aumentar nossa maturidade digital ao longo dos anos, mas este é um bom exemplo de empresa digital, cujo produto vendido pela empresa é o software ou tecnologia desenvolvida pela equipe de desenvolvimento do produto, mas com baixíssima maturidade digital que foi melhorando ao longo dos anos.
- Aurum: esta é a companhia de 2 bons amigos de faculdade. Formaram-se por volta de 1990 e, na época, criaram um produto para auxiliar os advogados no seu dia a dia. Como todo software da década de 1990, era um software on-premise, para ser instalado no computador de cada advogado. Mais tarde, lançaram uma versão cliente-servidor onde os advogados podiam trocar informações pelo sistema e o trabalho realizado por cada advogado era armazenado em um servidor local. Por volta de 2010 eles começaram a perceber a necessidade de migrar para a nuvem e eu os ajudei em um dos meus primeiros trabalhos de consultoria. Se você quiser se aprofundar na jornada de transformação digital deles, confira esta entrevista. A Aurum é outro bom exemplo de empresa digital, cujo produto vendido pela empresa é o software ou tecnologia desenvolvida pela equipe de desenvolvimento do produto, mas com baixa maturidade digital que melhorou ao longo do tempo.
Para melhorar sua maturidade digital, não importa se é uma empresa tradicional, digital ou tradicional nascida digital, essas empresas precisam:
- trazer pessoas com experiência digital, ou seja, experiência em trazer ao mercado produtos digitais que resolvam problemas dos clientes e alcancem os resultados esperados da empresa. Essas pessoas ajudarão a empresa a entender o potencial do uso de produtos digitais e ajudarão a desenhar uma estratégia para aproveitar plenamente esse potencial.
- ir atrás da educação para que pessoas sem a experiência adequada em produtos digitais possam aprender mais rápido. Podem ser livros, cursos, eventos, blogs, treinamentos in company. Este tema deve ser central, não só para as pessoas que trabalham diretamente na equipe de desenvolvimento de produtos, mas todas as outras áreas da empresa devem entender como o digital pode impactar positivamente a empresa e suas áreas.
Resumindo
- Existem 3 tipos de empresas. Empresas digitais, onde o produto vendido pela empresa é o software ou tecnologia desenvolvida pela equipe de desenvolvimento do produto. Nas empresas tradicionais, o produto ou serviço vendido pela empresa provavelmente já existe há muitos anos sem a tecnologia. Empresas tradicionais nascidas digitais, onde o produto vendido pela empresa poderia existir sem a tecnologia, mas a tecnologia potencializa muito o produto. Esta é a natureza da empresa e não pode ser alterada.
- Por outro lado, também podemos analisar uma empresa com base em sua maturidade digital, ou seja, sua capacidade de usar produtos digitais para entregar uma melhor experiência aos seus clientes e melhorar os resultados da empresa. Normalmente, as empresas tradicionais têm baixa maturidade digital, mas podem evoluir com o tempo. No entanto, mesmo as empresas tradicionais nascidas digitais e as empresas digitais também podem ter baixa maturidade digital como mostram os 3 exemplos: Gympass, Locaweb e Aurum.
- Para melhorar sua maturidade digital, essas empresas precisam (1) trazer pessoas com experiência em desenvolvimento de produtos digitais e (2) buscar educação para que pessoas sem a experiência adequada em produtos digitais possam aprender mais rapidamente.
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