Valor ou experiência: onde focar para aumentar as chances de sucesso?
Se você já participou de discussões sobre o sucesso de um produto, certamente já se deparou com a pergunta: o que vem primeiro, a experiência ou o valor entregue? Esse é um dilema comum entre co-founders de startups e líderes de produto. A partir das minhas experiências, tanto no Gympass quanto em outras empresas, explorei ambos os lados dessa questão, e é exatamente sobre isso que vamos falar hoje.
Em uma de minhas clientes, uma startup pre-revenue, os co-founders discutem se devem focar no valor entregue pelo produto ou na experiência para garantir o sucesso. Ambos têm um forte background em design: um deles co-fundou e liderou agências por mais de 20 anos, enquanto o outro tem mais de 10 anos de experiência em publicações e publicidade.
Quando apresentados a essa escolha, é comum ouvir: ‘Vamos fazer os dois!’ Nesse momento, eu explico a importância do foco. Desenvolver uma estratégia significa escolher tanto o que fazer quanto o que não fazer. Jony Ive, ex-head de design da Apple, explica essa ideia de forma brilhante em um vídeo que costumo mostrar:
Desenvolver produto significa fazer escolhas e focar no que é realmente importante para o sucesso. Como Jony Ive, ex-head de design da Apple, explica de forma brilhante: “Foco é dizer não a algo que você, com cada osso do seu corpo, acha que é uma ideia fenomenal, mas diz não porque está focado em outra coisa“.
O dilema entre experiência e valor
Devemos nos focar em entregar um produto com uma experiência incrível para nossas clientes ou devemos nos focar em construir um produto que entrega valor para nossas clientes?
Idealmente devemos ter os dois, mas como devemos nos focar, um deve vir antes do outro.
Resposta curta: primeiro entregue valor e depois experiência.
Por que? Porque entregar uma experiência incrível entregando pouco ou nenhum valor está fadado ao fracasso, enquanto valor com experiência ruim pode ter muito sucesso.
Quantos apps com design bacana e boa experiência baixamos, usamos uma vez e depois descartamos? Por outro lado, o app do nosso banco, por exemplo, pode ter uma experiência horrorosa mas se ele permitir os clientes do banco a fazerem o que precisa ser feito (entrega de valor), continuaremos a usar o app.
Vou trazer algumas histórias que ilustram isso.
Exemplos práticos
Quando entrei no Gympass, a empresa estava crescendo rapidamente, mas a experiência digital — tanto para usuários quanto para academias e RHs — deixava a desejar. Mesmo assim, o valor entregue era tão significativo que o crescimento foi acelerado, provando que valor supera experiência no início da jornada.
Começamos então a trabalhar com afinco em melhorar a experiência de nossos produtos, o que passou a ser nosso foco. Ressalto que experiência não é só interface. Nosso produto requeria muito trabalho manual. Quando o RH enviava uma planilha com seus funcionários, porque o nosso sistema não integrações com sistemas de RH, essas planilhas eram processadas por um time de operações que cresciam com a mesma velocidade que cresciam nossas vendas. Processamento manual implica em lentidão e erros, o que também gera uma má experiência para as clientes.
Mantivemos esse foco por mais de um ano, apesar de haver várias outras oportunidades para serem exploradas. Quando percebemos que a experiência estava em um bom nível, apesar de ainda ter coisas para melhorar, somente aí passamos a explorar novas oportunidades.
Um das que decidimos explorar no final de 2019 foi a ideia de um marketplace de apps, que à época chamamos de Gympass Wellness. A ideia era oferecer apps não só de de atividade física, como também de meditação, nutrição e bem-estar mental. Antes de pensar em experiência, pensamos em valor:
- Que valor vamos entregar para os apps? Acesso aos nossos clientes. Como podemos testar isso da forma mais barata e rápida possível? Vamos vender essa oportunidade de parceria. Criamos alguns slides explicando a oportunidade e apresentamos para 8 apps, dos quais 6 mostraram interesse e 4 toparam participar de nosso piloto. Note que o que vendemos foi valor, não experiência.
- Que valor vamos entregar para nossas clientes? Acesso a esses apps no mesmo modelo de assinatura mensal que o Gympass dava para acesso a dezenas de milhares de academias. Como podemos testar isso da forma mais barata e rápida possível? Vamos vender o produto em uma landing page, explicando o valor entregue, e vendo se tem pessoas interessadas. Acabamos construindo o que está nesse vídeo abaixo. Claramente um experiência bem aquém do desejado. Contudo, com uma clareza de entrega de valor.
Veja que a experiência não é das melhores. Não há área logada, o acesso aos apps é fornecido por um link de ativação de conta de cada app. Mas o valor entregue foi grande, ainda mais que ele estava pronto para ser lançado em fevereiro de 2020 quando tivemos a pandemia e os clientes do Gympass começaram a nos ligar e a dizer que queriam cancelar ou pelo menos suspender o contrato já que seus funcionários estavam em lockdown e as academias estavam fechadas. Usamos o Gympass Wellness como uma das principais ferramentas de retenção durante essa época. Crescemos de 4 para 90 apps em 2 meses, e de 0 a 500 mil usuários em 5 meses. Claramente estávamos entregando valor e passamos a nos focar em melhorar a experiência de uso, com melhores integrações com os apps, e com o acesso aos apps feito de forma simples pelo app principal do Gympass. Esse valor entregue foi tão grande que acabou promovendo a evolução do propósito da empresa de “combater o sedentarismo” para “fazendo o bem-estar universal” e, mais recentemente, mudar a marca de Gympass para Wellhub.
Um terceiro exemplo é de uma cliente minha que trabalha com um dos serviços essenciais (água, luz, telefone) e que oferece como principal valor para suas clientes uma redução na conta mensal. A experiência ainda está longe de ser a melhor, eles têm muitos processos manuais para conceder essa redução e a jornada da cliente desde a contratação até de fato poder usufruir do serviço está bem longe do ideal. Mesmo assim eles estão crescendo muito, pois o valor entregue é muito grande. Tendo a clareza do valor entregue, agora estão focados em melhorar a experiência.
Com base nesses três exemplos — Gympass, Gympass Wellness e minha cliente do setor de serviços essenciais — podemos ver que o valor entregue foi o verdadeiro fator decisivo para o crescimento. Mesmo com uma experiência inicial ruim, o valor percebido pelos usuários era tão grande que permitiu a essas empresas crescerem exponencialmente. Uma vez que o valor estava bem definido, o foco mudou para a melhoria da experiência.
O foco da Apple: experiência ou valor?
Quem defende que a experiência é o fator mais importante costuma citar a Apple como exemplo. No entanto, até mesmo os produtos de maior sucesso da Apple só triunfaram quando o valor entregue estava claro.
Alguns exemplos onde a experiência veio depois do valor:
- iPod: já havia vários MP3 players no mercado com relativo sucesso, então o valor de um MP3 player estava comprovado. Antes mesmo do valor entregue pelos MP3 Players, os walkmans já entregavam esse valor de ouvir música em qualquer lugar de forma individual. Com entrega de valor claramente comprovada, o foco na experiência deu resultado.
- iPhone: um telefone móvel, que se conectava à internet como vários outros smartphones da época como Nokia e Blackberry, que já tinham comprovado o valor de um telefone celular conectado à internet, e também um MP3 player, cujo valor também estava comprovado com o sucesso dos iPods. Aí a Apple focou em entregar uma experiência incrível e lançou o iPhone em 2007, mas o valor entregue já tinha sido comprovado anteriormente.
Alguns exemplos onde entrega de experiência sem entrega de valor, acabou gerando alguns dos fracassos da Apple:
- Apple Newton, lançado em 1993, tinha uma experiência ok, similar a outros PDAs da época, mas era mais caro e entregava pouco valor pois algumas funcionalidades simplesmente não funcionavam corretamente. Tanto que em 1996 a Palm, focada primeiro na entrega de valor (equipamento pequeno, preço acessível, com funcionalidade de agenda, contatos e anotações que de fato funcionavam), acabou liderando o mercado de PDAs.
- Apple Maps, lançado em 2012, tinha uma experiência de uso muito bacana, tendo sido elogiado por seu design visualmente atraente, mas como os mapas estavam incompletos, a entrega de valor ficou abaixo da expectativa e isso gerou muita insatisfação, ao ponto da Apple pedir desculpas.
- Apple Vision Pro foi elogiado por sua integração com o ecossistema Apple e pela qualidade da experiência de realidade mista que oferece. Contudo há críticas sobre conforto, interação social, limitações de conteúdo e aspectos técnicos que mostram que somente entrega de boa experiência não é o suficiente. Se não há uma clara entrega de valor, os clientes não vão comprar.
Ao avaliarmos a Apple, percebemos que seus produtos de maior sucesso, como o iPod e o iPhone, tinham o valor comprovado antes de a experiência ser aprimorada. Em contraste, produtos como o Apple Newton e o Apple Maps, que focaram demais na experiência sem entregar valor suficiente, acabaram fracassando. Isso nos ensina uma lição importante: o valor deve vir antes da experiência
Resumindo
- Se tivermos que escolher onde focar, o valor deve vir primeiro.
- Produtos que entregam valor de forma clara têm muito mais chances de prosperar, mesmo com uma experiência inicial aquém do ideal.
- Podemos testar e validar a entrega de valor de forma simples, rápida e barata. Alguns slides, uma landing page foram as ferramentas que usamos para testar a entrega de valor do Gympass Wellness.
- Depois que o valor está bem definido, a experiência pode ser aprimorada para garantir a retenção e fidelização dos clientes. Esse é o caminho para o sucesso duradouro.
Se você está lidando com esse mesmo dilema em sua empresa, entre em contato por email ou WhatsApp para discutir como podemos trabalhar juntos na construção de uma estratégia focada em entregar valor desde o início, com a experiência ideal para garantir o sucesso a longo prazo.
Treinamento e consultoria em gestão de produtos e transformação digital
Ajudo líderes de produto (CPOs, heads de produtos, CTOs, CEOs, tech founders, heads de transformação digital) a enfrentarem seus desafios e oportunidades de produtos digitais por meio de treinamentos e consultoria em gestão de produtos e transformação digital.
Gestão de produtos digitais
Você trabalha com produtos digitais? Quer saber mais sobre como gerenciar um produto digital para aumentar suas chances de sucesso, resolver os problemas do usuário e atingir os objetivos da empresa? Confira meu pacote de gerenciamento de produto digital com meus 4 livros, onde compartilho o que aprendi durante meus mais de 30 anos de experiência na criação e gerenciamento de produtos digitais. Se preferir, pode comprar os livros individualmente:
- Transformação digital e cultura de produto: Como colocar a tecnologia no centro da estratégia de sua empresa
- Liderança de produtos digitais: A ciência e a arte da gestão de times de produto.
- Gestão de produtos: Como aumentar as chances de sucesso do seu software.
- Guia da Startup: Como startups e empresas estabelecidas podem criar produtos de software rentáveis.